Artigo mostra os detalhes do colapso do transporte público na pandemia

Artigo mostra os detalhes do colapso do transporte público na pandemia
Trem da série 500 (frota P) da ViaMobilidade na Linha 5-Lilás (Foto: Igor Roberto)

Uma artigo assinado pela colunista do UOL. Kelly Fernandes, mostra as mudanças que a pandemia causou no transporte público, não só no aspecto do passageiro, mas no lado empresarial. Confira na íntegra abaixo:

O sistema de transporte público coletivo está à beira do colapso. Com a pandemia do novo coronavírus, certas definições previstas nos contratos de licitação têm ganhado destaque, em especial as cláusulas relativas ao equilíbrio econômico-financeiro. Quando existem, essas cláusulas visam assegurar que perdas de receita, por exemplo, sejam equilibradas a partir da adequação da demanda em relação à oferta. Trocando em miúdos: diminuindo o número de ônibus em circulação quando o sistema perde passageiros.

Prefeituras têm descoberto que manter uma quantidade de ônibus e vagões adequada em circulação, que assegure os direitos dos cidadãos e distanciamento social, pode ser uma conta que não fecha. Isso porque a tarifa paga pelas pessoas que usam transporte público é, na maioria das cidades, o meio de pagamento das empresas. Portanto ônibus transportando menos passageiros, para elas, significa prejuízo financeiro.

O cenário piora quando consideramos que inúmeras cidades se depararam só agora com os limites de seus contratos, legislações e políticas tarifárias – seja por falta de capacidade técnica e jurídica, ou pela decisão inconsequente de copiar contratos e modelos de gestão de cidades de grande porte. É o que Marcelo Amaral, da Rede Nossa BH, chama de “mimetismo contratual”.

Só nos últimos meses, gestores públicos e privados de diversas cidades anunciaram prejuízos financeiros decorrentes da queda da demanda, que em alguns sistema de ônibus ou metroferroviários (ônibus e trem) chega a 70% – o que alegam colocar em risco a continuidade dos serviços.

Mas é importante lembrar que o direito das empresas não deve se sobrepor à garantia do direito social ao transporte, previsto na Constituição Federal, e à saúde da população, de maneira que é preciso pensar meios para superar esse cenário e garantir que o interesse privado não se sobreponha ao interesse público.

No entanto, empresas do setor têm renegociado contratos, pagamentos e salários, reduzido a jornada ou desligado funcionários e, em alguns casos, anunciado a redução da limpeza, desligamento de escada rolantes, aumento do intervalo entre trens e redução dos ônibus em circulação e até fechamento de banheiros. Mas, é sempre importante lembrar que, apesar dos dados alarmantes, a crise no setor não é recente.

Ao menos dois pilares a estruturam: o pagamento das empresas de acordo com a quantidade de passageiros transportados, que ao longo dos anos estimulou a circulação de veículos com máxima lotação, a competição predatória entre sistemas de ônibus e trilhos, municipais e intermunicipais e entre empresas com atuação na mesma cidade, e a falta de subsídio públicos, que, quando existem, ficam à cargo dos municípios que possuem capacidade de investimento, ou seja: poucos.

Em respostas às pressões do setor empresarial e dos gestores públicos, os ministérios da Economia, da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional elaboraram uma proposta para auxílio financeiro do setor, que destinará R$ 4 bilhões aos estados e municípios, com percentuais definidos para sistemas metroferroviários e por ônibus.

Inicialmente incorporada à Medida Provisória 938/2020, o que foi questionado por partidos de oposição e entidades da sociedade civil, tal como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), dadas as inconsistências, de modo que as condições para adesão ao auxílio agora compõe o Regime Especial de Emergência para Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros (Remetup), segundo redação do Projeto de Lei 3.364/2020.

Feito às pressas, esse auxílio, na forma de desonerações fiscais e repasses de recursos, sinaliza atenção do Governo Federal à crise pela qual passa o transporte coletivo, mas pode ter o efeito de jogar um punhado de migalhas para centenas de passarinhos famintos. Os que estiverem mais próximos e com melhores condições comerão mais e rápido, restando pouco ou nada para os demais.

Para exemplificar, o rombo declarado pelas associações que representam as empresas do setor de transporte de passageiros por ônibus e trilhos é de quase R$ 8 bilhões.

O governo deveria optar por atuar para além da emergência, atrelando isenções tributárias e repasses à programas de médio e longo prazos, que imponham contrapartidas sociais e ambientais para gestores públicos e privados, tais como: investimento em infraestrutura, incluindo para pedestres e ciclistas; transparência de dados; mudanças nos processos licitatórios; participação social efetiva e redução da poluição atmosférica.

Para corrigir problemas estruturais do sistema de transporte público coletivo, que todos os dias desafiam as pessoas que os utilizam, é preciso mais do que apagar incêndio.

Transporte sobre trilhos

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Igor Roberto

Estudante de Direito e formado em Gestão Pública, com mais de 10 anos de experiência como setorista especializado em mobilidade e transportes. Apaixonado por informar e debater soluções para os desafios urbanos, é o criador da Rede Noticiando , um portal de referência para quem busca entender e acompanhar as principais novidades e tendências do setor. Quer falar com o Igor? Envie e-mail para [email protected]

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