Mesmo antes de terminar o clássico Madame Bovary, em 1856, e logo após outro fim do seu relacionamento com Louise Colet, em abril de 1854, o escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880) chegara à Rue de Londres, em Paris, para uma nova estadia na cidade que seria fundamental não apenas para sua obra literária, mas para a sua própria vida – ali escreveria seu grande livro, Educação Sentimental, publicado em 1869.
Nascido em Rouen, a 135 km da metrópole, e morto em Croisset, também na Normandia, sua relação com Paris é dúbia, porque, embora a tenha usado como pano de fundo para a história de Frédéric Moreau, todos os seus outros livros são interioranos ー como a própria Madame Bovary, cuja cidade fictícia de Yonville l’Abbaye lembra a normanda Ry.
Hoje, Paris conserva sua ligação com o escritor por meio de um busto de 90 centímetros instalado em 1922 no Jardim de Luxemburgo, próximo ao Boulevard Saint-Michel.
Flaubert chegou a Paris pela primeira vez em 1841, após ceder à insistência dos pais para que se matriculasse na faculdade de direito. Até o início do ano seguinte, sua vida na capital não seria fácil, dependendo da ajuda de amigos como Chevalier e Le Poittevin, além da enviada pelo seu irmão, Achille Flaubert.
Nessa época, viveu em vários lugares que hoje figuram como roteiros turísticos pela cidade, como o Hôtel de l’Europe, na Rue Le Peletier (onde seu antigo quarto hoje é uma suíte do Hotel Peletier com refrigerador, televisão a cabo e aquecimento), no 9º arrondissement, um apartamento no número 35 da Rue de l’Odéon e outro na Rue de l’Est, em Ménilmontant.
Também neste período, conheceu Victor Hugo, já então o grande escritor francês em vida, além de entrar em contato com o amigo e companheiro de viagem Maxime Du Camp – mais tarde, admitiria que essas amizades foram fundamentais para que escrevesse Educação Sentimental.
A partir de 1844, seus ataques epilépticos convenceram a família de que ele não poderia continuar estudando – a grande notícia de sua vida, porque então viu a possibilidade de se dedicar totalmente à literatura.
Foi quando deixou a capital francesa e voltou a Rouen como sua residência principal, regressando à metrópole apenas em raras ocasiões. Ainda assim, Paris seguiu sendo cenário de grandes acontecimentos.
Durante uma dessas estadas em Paris, Flaubert conheceu Louise Colet, uma escritora premiada pela Academia Francesa de Letras que era esposa de um músico sem grande fama chamado Hyppolite Colet. Logo descobriu que outros boêmios das letras francesas eram amantes de Louise, como Victor Cousin, Alfred de Vigny, Alfred de Musset e Abel Villemain, mas ainda assim se apaixonou por ela.
Entre rupturas e retornos entre 1848 e 1855, eles jamais deixaram de se comunicar. Mais do que uma amante, Louise era, segundo cartas que Flaubert enviava a seus amigos, sua fonte criativa: em suas correspondências com ela, encontram-se poemas inteiros e teorias literárias, além das sementes do que seria Madame Bovary.
Em 1853, quando tentava se distanciar de Louise, ele foi viver primeiro da Rue de Londres, e depois em um quarto do Hôtel du Helder, no 9º arrondissement.
Dois anos depois, quando finalizava Madame Bovary, mudou novamente, dessa vez para um apartamento no Boulevard du Temple, que só abandonaria em 1869 por causa do alto preço do aluguel, indo viver no quarto andar de um edifício na Rue Murillo, com vista para o Parc Monceau.
A vida no boulevard foi a mais rica de sua vida literária: ao mesmo tempo que frequentava as bibliotecas parisienses, escrevia Madame Bovary, Salammbô e Educação Sentimental, além de frequentar círculos literários com Sainte-Beuve, os irmãos Goncourt, Baudelaire e Théophile Gautier.
Foi o começo de uma vida mundana oferecida pelas noites parisienses – onde também encontraria o escritor George Sand, um de seus grandes amigos.
Flaubert ainda moraria em outro imóvel, dividindo com a família Commanville (Ernest Commanville, outrora um próspero negociante de bois casado com sua sobrinha, Caroline, foi à bancarrota e precisou amortizar os custos de moradia compartilhando sua casa), onde organizava reuniões com outros amigos escritores famosos, como Émile Zola, Ivan Tourgueniev, Alphonse Daudet, Edmond de Goncourt e Guy de Maupassant.
Hoje, Paris possui uma série de coisas que remetem ao escritor: a Rue Flaubert, no 17º arrondissement; o Bistrot d’a Cote Flaubert, na mesma rua; o colégio Gustave Flaubert, na Avenue d’Ivry, perto da Torre de Helsinque e a poucos passos do Triângulo de Choisy; e o Hôtel Elysées Flaubert.